Light diz à ANEEL que não tem dinheiro suficiente para manter concessão e pede aumento de tarifas; empresa alega necessidade de financiamento de R$ 3,3 bilhões
História das privatizações no Brasil segue um roteiro em que o cidadão comum sempre perde: estatais lucrativas são privatizadas e, quando começam a dar prejuízo, pedem ajuda ao Estado
Um dos novos donos da Light, vendida numa operação que deu prejuízo para a Cemig em 2021, é Beto Sicupira, um dos integrantes do grupo 3G, proprietário das Lojas Americanas
A Cemig, estatal lucrativa, está na mira de Zema para ser privatizada. A sociedade tem que analisar se esta é uma boa ideia
O que a Cemig tem a ver com o escândalo das Lojas Americanas? A Light, vendida pela Cemig em 2022, alega que está sem dinheiro para manter as operações e tem, entre seus donos, Beto Sicupira, integrante do grupo 3G, dono da Americanas.
A Light enviou um comunicado à ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) dizendo não ter caixa suficiente para manter a concessão de fornecimento de energia no Rio de Janeiro. Traduzindo: ou a ANEEL autoriza aumento da tarifa, ou o governo empresta dinheiro, ou a empresa vai quebrar e abandonar o fornecimento de serviço. A empresa alega precisar de R$ 3,3 bilhões para seguir as operações. As ações da Light caíram 14,19% nesta terça-feira e 42% em 2023.
A Light, empresa que fornece energia a mais de 10 milhões de pessoas em 31 municípios do Rio de Janeiro, chegou como uma empresa privada canadense em 1905 e, devido aos serviços ruins e insuficientes, foi estatizada nos anos 70. Afinal, sem energia, a economia para. Quando estava saneada financeiramente e prestando serviços com regularidade, voltou a ser alvo do setor privado. Foi privatizada novamente em 1996.
Bueiros explodindo e prejuízo para a Cemig
Em poucos anos como empresa (novamente) privada, a Light voltou a dar problemas. Além dos péssimos serviços, principalmente para a população de baixa renda, a gestão da Light foi duramente criticada. O pouco investimento em manutenção nos anos em que foi privada levou a Light a uma situação inusitada, bueiros em que passavam redes de energia da Light começaram a explodir no Rio de Janeiro, matando e ferindo pessoas.
Quebrada financeiramente, a empresa foi comprada pela Cemig e com pequena participação de outros grupos, inclusive a Andrade Gutierrez. A Cemig, estatal, assumiu a gestão da Light em 2006.
A gestão feita pela Cemig só conseguiu solucionar os problemas da Light após mais de dez anos e a companhia passou a ser saudável financeiramente e dar lucro. Novamente, o setor privado cresceu os olhos sobre a estatal e forçou uma venda. O governo Zema, em 2021, vendeu a parte da Cemig na Light por um valor, corrigido, menor que o investido na compra. Prejuízo para os mineiros.
Desta vez, um detalhe chama a atenção. Um dos empresários que compraram a Light é Beto Sicupira, um dos três integrantes do grupo 3G (junto com Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles), proprietário das Lojas Americanas, envolvida num rombo de, pelo menos, R$ 20 bilhões.
Negócio perfeito para maus administradores
A história da Light diz muito sobre como funciona a política de privatizações no Brasil e no mundo, que tenta ser replicada em Minas Gerais por Romeu Zema: Compram barato nas “privatarias”, sugam todos os recursos com dividendos, não investem, demitem trabalhadores experientes, os serviços vão a ruína, a população se revolta, e quando o negócio dá errado, os proprietários privados pedem ajuda ao Estado e muito dinheiro público é gasto para “salvar” a empresa e sanear os serviços.
Alguns setores da Economia se destacam por serem extremamente estratégicos e alvos frequentes da sanha privatista: bancos, saneamento básico e energia. Por quê? Porque os empreendimentos desses setores, caso quebrem, criam um problema sistêmico. Sendo mais claro: caso quebrem, pequenos poupadores ficam sem dinheiro ou todo mundo fica sem água ou sem luz. Simples assim. Os governos, portanto, são chantageados e são obrigados a recuperar as empresas sob risco de colapso da economia.
Lição sobre privatizações
A lição que fica é que as privatizações no Brasil só servem para dar lucros a bilionários que compram estatais lucrativas e, após anos fazendo grandes retiradas de dividendos e não realizando investimentos necessários, chantageiam o Estado a ajudá-los financeiramente por que, do contrário, todos ficarão sem o serviço. No caso, um item essencial como energia.
A Cemig, estatal lucrativa, está na mira de Zema para ser privatizada. A sociedade tem que analisar se esta é uma boa ideia, vis-à-vis o que está acontecendo com outras empresas que foram privatizadas e subiram tarifas, pioraram serviços e, depois de dar prejuízo, usam dinheiro público para se recuperarem.
Privatizar é sempre bom para os bilionários, já que é um negócio sem risco. Para as pessoas comuns, é sempre prejuízo.
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